A Brasília foi um automóvel produzido de 1973 até 1982 pela
Volkswagen do Brasil. Definido internamente como modelo / tipo "102",
foi projetado para aliar a robustez do Volkswagen Fusca, um carro consagrado no
mercado, com o conforto de um automóvel com maior espaço interno e desenho mais
contemporâneo. Era um carro pequeno, de linhas retas e grande área envidraçada.
Seu nome é uma homenagem a então moderníssima cidade do Distrito Federal, fundada
13 anos antes.
A Brasília foi um dos primeiros Volkswagen a ser projetado e
construído fora da matriz alemã, sendo o também brasileiro SP2 o primeiro. No
outono de 1970, o então presidente da Volkswagen do Brasil, Rudolph Leiding,
inspirado pelo SP2, desafiou os engenheiros da marca a produzir uma nova versão
do Fusca, porém adaptado ao mercado nacional. Além do Sedan, a perua Kombi e o
esportivo Karmann-Ghia foram os únicos VW de motor refrigerado ar que
alcançaram sucesso. Modelos como o TL, o 1600 quatro-portas “Zé-do-Caixão” e o
Karmann-Ghia TC tiveram vida curta. A única variação desta família, de relativo
sucesso, foi a perua Variant. Irrompendo no departamento de estilo da fábrica
em direção à mesa de Marcio Piancastrelli, chefe de design, Leiding foi
objetivo. Pediu a Piancastrelli um carro que fosse pequeno por fora, grande por
dentro e tivesse uma grande área envidraçada. O modelo deveria oferecer mais
espaço, utilizar a mesma mecânica, porém deveria parecer mais contemporâneo. E,
para não deixar dúvidas, depois de rabiscar a lápis a inconfundível silhueta de
um Fusca, delineou com uma caneta vermelha uma outra figura sobre a do Sedan. O
desenho tosco mostrava um carro de linhas retas, com um teto que terminava com
um corte brusco na traseira "Praticamente um furgão", disse
Piancastrelli, hoje com 73 anos.
Com um lápis e uma folha na mão, Piancastelli começou a
traçar o carro com base no modelo do Fusca. De início, a plataforma cogitada
foi a do próprio Fusca, mas foi deixada de lado por ser estreita demais. A base
passou então a ser o chassi do Karmann Ghia. “Ganhamos largura”, lembra o
ex-estilista. Do início ao fim, foram mais de quarenta tentativas até chegar ao
esboço final.
Depois de pronto o projeto no papel, o segundo passo: construir
o modelo de arame rígido e amarra-lo em uma espécie de gaiola para obter a
visualização do espaço e das proporções da parte de dentro do veículo. Por fim,
o revestimento com gesso e a pintura com tinta automotiva. “Tínhamos de montar
tudo: banco, painel. Foi um trabalho de co-produção”. E, mesmo assim, o
responsável por chefiar o projeto não quer nem ouvir falar em título de
inventor da Brasília: “Não foi uma invenção porque foi feito em cima de um
modelo de Fusca como, por exemplo, o motor traseiro”.
Em três meses ficou pronto um modelo na escala 1:1.
Finalmente, foi adotada uma solução intermediária de chassi (entre Fusca e
Karmann-Ghia) e concepção própria, e o projeto seguiu em ritmo acelerado. O
objetivo era aprontar o carro a tempo de dividir as atenções que estariam
voltadas para um compacto da GM, cujo lançamento se aproximava.
Após uma série de protótipos, finalmente Márcio Piancastelli
e José Vicente Martins apresentaram o conceito do que seria o modelo final.
Semelhante a uma "mini-Variant", com uma versão modernizada da
dianteira desse veículo, tinha a mesma distância entre-eixos do Fusca, porém
com maior espaço interno, ampla área frontal envidraçada, satisfatório
porta-malas dianteiro e uma prática tampa hatchback para o porta-malas traseiro.
O design retilíneo da carroceria, com linhas suaves e equilibradas, foi
inovador na época. Esta característica privilegiava um amplo espaço interno
para os passageiros, algo difícil de encontrar na época em carros do seu
segmento.
Quando este modelo alcançou a fase de testes, um repórter
conseguiu fotografar alguns modelos em ruas próximas à fábrica. Os seguranças
tentaram afastá-lo e, quando falharam, decidiram atirar contra seu carro. O
incidente causou alguma comoção na imprensa nacional, levando a Volkswagen a se
desculpar publicamente. Entretanto, a notícia alavancou a venda da revista
Quatro Rodas que comprou as fotos do então repórter free-lancer Cláudio
Larangeira, que logo depois seria contratado pela editora Abril. Até então,
quando era descoberto nas estradas do país fazendo os últimos acertos, a
imprensa tratava-o como "miniperua VW", "míni-Variant" e
"anti-Chevette". Mas a Brasília tinha linhas mais modernas e retas
que as da Variant e ampla área envidraçada, resultando numa ótima visibilidade
em todas as direções. A rivalidade com a GM ficava evidente na declaração de um
diretor de vendas da Volkswagen: "Ninguém sabe como nós trabalhamos para
fazer coincidir seu lançamento com o do Chevette".
Leiding, já como chefão da VW mundial, veio ao Brasil para o
lançamento de sua cria. E viu seus pleitos plenamente atendidos. O novo veículo
foi oficialmente apresentado ao público em Junho de 1973, apenas um mês depois
do lançamento de seu principal concorrente, o Chevrolet Chevette. Esse foi um ano
de grandes lançamentos da indústria automobilística brasileira: além da
Brasília e do Chevette, chegaram o Dodge 1800 da Chrysler e o Maverick da Ford.
A Brasília media 4,01 metros de comprimento -- 17 cm menos
que o Fusca. A distância entre eixos era a mesma de toda a linha. Seguia a
tendência européia de carros urbanos, fácil de manobrar e ágil no trânsito.
Ficou conhecido por muitos como "a" Brasília, em função de uma
estratégia comercial da marca. Como havia uma terceira porta, a Volkswagen o
classificou como perua para que recebesse a menor incidência de impostos
atribuída na época a utilitários. Apesar da artimanha, a Brasília era um
automóvel dois-volumes hatchback como o Fiat 147 e o Gol.
Na frente se destacavam os quatro faróis redondos (com quatro
fachos altos e dois baixos) e as luzes direcionais embutidas no pára-choque, de
lâmina cromada. Visto de lado, o conjunto era harmonioso e equilibrado. Abaixo
do grande vidro lateral traseiro ficavam as entradas de ar para a refrigeração
do motor. Na traseira, abaixo do pára-choque, uma pequena grade escondia o
silenciador de saída única direcionada para a esquerda.
Comportava com conforto quatro passageiros ou mesmo cinco, e
esse logo se tornou seu ponto forte. Mas o espaço para as malas não era bom. A
bagagem só podia ficar alojada no compartimento dianteiro, pois não havia o
segundo porta-malas atrás do encosto do banco traseiro, que o Fusca trazia
desde sua concepção em 1934. Era possível colocar alguma bagagem sobre a tampa
do motor, mas isso representava risco em caso de freada brusca ou colisão
dianteira. O estepe ficava no porta-malas. O bagageiro no teto, que virou até
moda na época, era uma alternativa para aumentar a capacidade de carga.
Diferente do Fusca (que na época era vendido com motorizações
de 1300 ou 1500 cm3), a Brasília era oferecido somente com motor 1600 cm3,
assim como o VW 1600 - apelidado de "Zé do Caixão" - e a Variant. Na
época surpreendeu a decisão da fábrica em adotar a turbina de refrigeração
alta, de fluxo radial, em vez da baixa, fixada diretamente no virabrequim e de
fluxo axial da Variant, que poderia ter criado um porta-malas traseiro. A
decisão deveu-se à redução de custos e à intenção de tornar o veículo o mais
curto possível, já que o motor de construção plana era mais comprido que o de
disposição tradicional.
No ano de seu lançamento, 1973, o motor 1,6 litros da
Brasília era alimentado por um único carburador modelo Solex 30, gerando 60 cv
brutos de potência, transmitida às rodas traseiras. Muitos motoristas, porém,
exigiam melhor desempenho e economia da Brasília. A resposta da Volkswagen foi
o lançamento do motor 1,6 litros alimentado por dois carburadores modelo Solex
32, no ano de 1976. O carro agora tinha 65 cv brutos de potência (48 líquidos),
com mais torque e economia de combustível. Pelo sucesso alcançado, esta viria a
ser a motorização predominante do Brasília nos anos seguintes de produção.
Afinal, a exemplo do Fusca e outros VW "tudo atrás", a colocação do
motor junto às rodas motrizes fazia milagres em percursos fora de estrada e em
subidas escorregadias, garantindo aderência e tração. E era econômico: fazia
até 14 km/l.
Como o Fusca, era barulhento para os ocupantes. Com um
carburador já era difícil conversar em médias e altas velocidades e, quando
passou a ter dois, ficou ainda pior. Em modelos de melhor acabamento houve uma
tentativa de melhorar o isolamento acústico interno, mas que não resolveu
completamente o problema.
Mesmo com pneus diagonais 5.90-14, a estabilidade em curvas
era razoável, mas a traseira ainda escapava naquelas contornadas mais
rapidamente, ainda que com previsibilidade. Vários proprietários na época
optaram por colocar pneus radiais 175/80-14 e rebaixar a suspensão do carro, o
que melhorava o comportamento, enquanto outros partiam para rodas de alumínio
de 13 pol. com pneus 185/70-13.
A Brasília tinha chassi-plataforma específico (que seria
utilizado pelo Puma), mais largo, o mesmo ocorrendo com as bitolas, explicando
o comportamento melhor em relação ao Fusca. Outro melhoramento, aplicado a toda
a linha a ar, foi a barra compensadora traseira que, por sua ação oposta à da
barra estabilizadora tradicional, diminuía a saída de traseira (sobresterço).
Arrancando forte numa pista reta com seus concorrentes
diretos -- o Chevette e o Dodge 1800 --, a Brasília conseguia ficar emparelhada
de início, em função do bom torque em baixa rotação e datração superior, mas
quando a terceira marcha era engatada a traseira dos dois sedãs já era vista
pelo pára-brisa. Fazia de 0 a 100 km/h em 23 s e chegava a uma velocidade final
de 132 km/h. Pouco, mas dentro do contexto de utilização da época.
A Brasília agradou muito ao público e suas vendas logo de
início foram boas. Comprar e levar na hora, só pagando acima do preço de
tabela, o chamado ágio. Em 1975 foram produzidas 126 mil unidades. Fazia
sucesso entre jovens e famílias.
No ano de 1980 foi lançada uma versão com motor 1,3 litros e
potência líquida de 49 cv, exclusiva, porém, dos veículos movidos a álcool.
Mesmo com a maior taxa de compressão admitida pelo combustível, este motor na
Brasília apresentava baixo desempenho e alto consumo, o que fez com que a
versão movida a álcool foi um fracasso de vendas, permanecendo o motor 1,6
litros a gasolina como o mais procurado.
As primeiras versões da Brasília possuíam acabamento interno
com materiais simples, porém bem feito. O painel teve inspiração no antigo
Fissore, projetado pela DKW em meados dos anos 60, marca absorvida pela VW em
1966. Nele havia velocímetro, marcador de nível de combustível e opcionalmente
um relógio. O volante era grande, de 40 cm de diâmetro, e na tampa do cinzeiro
havia a indicação da posição das marchas, tornada obrigatória pelo Conselho
Nacional de Trânsito (Contran). Apenas em 1977 surgiria pela primeira vez a
opção de um revestimento interno mais luxuoso e confortável, chamado de
acabamento monocromático. Este acabamento era disponível nas cores preto e
marrom, combinando teto, revestimentos laterais, piso e bancos em degradê de
uma mesma cor. O piso das versões monocromáticas era de material acarpetado.
Quando a crise do petróleo começou a dominar o mundo, todas
as fábricas buscaram soluções para tornar seus carros mais econômicos. Um
acelerador de duplo estágio (como no DKW-Vemag) passou a equipar o Brasília em
1977 – dizia-se que era bom para gerar dormência e câimbras no pé direito, de
tão duro... Mas foi um recurso de custo muito reduzido que a VW empregou para
alcançar alguma economia, pois levava o motorista a pisar menos fundo. Se a
mola não se soltava por desgaste, porém, muitos a retiravam. Não agradou e
nunca funcionou muito bem.
Em 1978 era feito o primeiro face-lift na trajetória do
Brasília. As mudanças, porém, foram discretas. Os finos pára-choques de cantos
arredondados passaram a ser mais robustos com cantoneiras plásticas de formato
retangular. O capô dianteiro ganhava dois vincos longitudinais estampados e as
lanternas traseiras recebiam uma nova superfície plástica estriada, semelhantes
a dos veículos Mercedes-Benz. No entanto, alguns pontos falhos da estética,
como a grade metálica que cobria o silencioso do escapamento na parte traseira
do veículo, permaneciam inalterados.
Em 1979 surgiu a versão LS, a de maior luxo na história da
Brasília, oferecendo apoios de cabeça nos bancos dianteiros e de detalhes de
acabamento externos exclusivos, como frisos laterais, apliques emborrachados
nas lâminas dos pára-choques e novas cores metálicas. Também foram oferecidos
equipamentos extras, como desembaçador elétrico do vidro traseiro, relógio e
vacuômetro, este para ajudar o motorista a economizar combustível em uma época
de postos fechados nos fins de semana e velocidade máxima de 80 km/h em
rodovias.
Houve também uma versão de quatro portas (ou “cinco portas”,
pois na Europa conta-se a porta traseira), que foi o primeiro “hatchback”
genuíno nacional com essa configuração. Mesmo sendo produzido no Brasil e
exportado para países como Filipinas, Nigéria (chamado, neste país, de
Volkswagen Igala) e para América do Sul e Europa (Portugal) desde 1974, esse
modelo só passou a ser comercializado no mercado nacional a partir de agosto de
1978, já como modelo 1979. O tamanho era idêntico ao da versão de três portas.
Com uma terceira janela na lateral, agradou mais aos taxistas do que às
famílias: o injustificável gosto brasileiro pelos carros de duas e três portas,
na época, prevaleceu. Dados oficiais indicam que foram produzidas cerca de 14
mil unidades do modelo quatro portas (pouco mais de 1% da produção total da
Brasília). O México foi o único país além do Brasil a fabricar a Brasília, mas
somente na versão de duas portas.
A Brasília era um carro muito popular no mercado brasileiro
e considerado o “irmão” mais moderno do Fusca. Apesar de sua base mecânica ser
a mesma do Fusca, um carro anacrônico já naquela época, o projeto era muito
elogiado por suas linhas elegantes e por sua qualidade de construção e
durabilidade. O sucesso da Brasília inclusive inspirou a criação da versão mais
moderna da Variant, a Variant II, em 1977. Apesar disso, a Volkswagen do Brasil
sabia que não poderia continuar por muito tempo fiando-se na linha refrigerada
a ar para se manter na liderança do mercado.
No mesmo ano, inspirada pelo sucesso das vendas do Golf na
Europa, a Volkswagen chegou a cogitar instalar a mecânica do Passat no
Brasília. Se levado a cabo, o projeto geraria o primeiro carro diretamente
derivado do Fusca a se tornar parte da nova linha refrigerada à água da marca.
Entretanto, a Volkswagen do Brasil optou por refazer a
Brasília em outro modelo influenciado pelo Golf, colocando o tradicional motor
refrigerado a ar à frente: o Gol de primeira geração conhecido como
"família BX". Especula-se que os projetistas da Volkswagen
inspiraram-se em parte no desenho do Brasília ao projetar o hatchback, no final
da década de 70.
Em maio de 1980 a Volkswagen lançava o Gol, outro projeto
brasileiro -- e não recomendado pela matriz alemã. De início, o Gol não
competia diretamente com a Brasília, uma vez que possuía um motor menos potente
(um boxer 1,3 litros de 42 cv líquidos). As vendas iniciais foram fracas, e o
novo modelo precisava de algo para se salvar de um naufrágio comercial. Porém,
ao lançar o Gol 1,6 litros de 54 cv, ainda refrigerado a ar, em 1981, o modelo,
mais moderno e atraente, passou a "canibalizar" o mercado da
Brasília. A produção da Brasília continuou em ritmo mais lento durante todo o
ano de 1981, sendo até mesmo apresentados os modelos 1982 ainda no final de
1981. As derradeiras unidades da Brasília deixaram as linhas de produção no mês
de março de 1982, depois de mais de um milhão de exemplares produzidos e 950
mil vendidos no mercado interno. De fato, o fim da Brasília não pegou ninguém
de surpresa. As pistas do iminente desaparecimento do maior sucesso de vendas,
depois do Fusca, eram claras. Já há algum tempo a fábrica havia cortado o
oxigênio da pequena perua, deixando de incluí-la nas campanhas publicitárias da
marca. Mas a sabedoria soberana do mercado soube homenagear a aposentadoria -
para muitos, precoce - da Brasília com uma surpreendente valorização dos
modelos usados. Era a consagração deste carro que vendeu tanto.
Comenta-se que um engenheiro da fábrica exclamou em relação
ao fato: "Mataram o carro errado". Ele achava que seria melhor
interromper a produção do Fusca, carro muitas décadas mais antigo, mantendo o
Brasília como modelo mais acessível da marca. E por que a VW resolveu fazer o
Gol justamente no auge do sucesso da Brasília? A resposta está na existência
solitária da perua. Ela era um carro de uma só versão, enquanto o Gol teria uma
família, como já acontecia com Chevette, Corcel II e Fiat 147. Essa limitação
também explica o porquê de a perua não ter recebido grandes investimentos ao
longo de seus nove anos de vida, e permanecido sem grandes alterações por todo
esse tempo.
Mesmo muitos anos depois de ter sido descontinuado, é um
carro comum nas ruas do Brasil, principalmente no interior e nas periferias das
grandes cidades. Embora devido ao seu grande volume de produção e o carro não
tendo ainda atingido o status de clássico, um modelo bem conservado já atinge
boa cotação no mercado de usados, além de ter seus apreciadores em clubes de
veículos VW.
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